Não tenho provas científicas, nem estudos académicos que avalisem a minha opinião sobre o estado de estar-se casado, mas cada vez mais casos verídicos comprovam que estou certo. A tese é a seguinte: O casamento atinge o seu ponto mais alto no momento em que os noivos dão o «sim»; essa palavra fatídica que dá inicio ao desmoronamento de uma relação que até aí se ia consolidando a cada dia. Após esse momento, para onde traiçoeiramente, são empurrados os namorados, é sempre a descer até ao divórcio ou até à indiferença.
Quando se chega ao «sim», na maior parte dos casos o estado de paixão já entrou na fase menos intensa do ciclo. O início das responsabilidades conjugais marca o declive de uma relação afectiva, na esmagadora maioria das vezes. Os votos matrimoniais representam o princípio do fim da diversão e o começo da confusão. Cada vez mais, se casa sem ler as letras miudinhas do contrato; aquelas que fazem prometer amar, honrar, acompanhar para sempre, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, até que... É melhor nem falar!
A promessa ingénua de tudo compartilhar choca, mais dia menos dia, com os desejos privados. A vida em comum entra em conflito com a necessidade de espaço próprio para ser feliz. Os deveres do lar não se compadecem com as saudades da vida de solteiro, dos amigos, dos bares e cafés para cultivar amizades antigas ou modernas. A habituação das responsabilidades matrimoniais desperta, pouco a pouco, os desejos carnais. Enfim a mudança que o casamento exige é drástica e quando não foi bem maturada é quase suicida.
O enlace matrimonial com todo o seu peso institucional é uma má solução para uma vida a dois desde a invenção do divórcio. Escapar pela porta larga do divórcio tornou-se uma tentação tão banal que ninguém leva a sério os votos do casamento. Melhor, faz-se do casamento um estado temporário entre duas fases da vida de solteiro: a inexperiente e a experiente, a pré e a pós nupcial. Toma-se o casamento como o momento da vida para gerar herdeiros, calar a boca à família, assentar um pouco da vida dissoluta de adolescente. É uma experiência transitória que dura enquanto falta a coragem para pôr fim à suspensão temporária e digamos voluntária das liberdades de solteiro.
Manter um casamento nestas condições é um acto heróico de auto sonegação dos direitos e liberdades básicas de um ser humano. Salvar o casamento é um acto, ainda mais, heróico de altruismo para com o companheiro e de sabedoria superior. Se casar é uma atitude revolucionária que, normalmente, resulta em saturação e frustração, dar a volta ao texto e tentar salvá-lo é ainda mais revolucionário, pois implica conseguir o quase impossível: uma dupla mudança de atitude, de mentalidade, sentimental, emocional e cultural de ruptura com muito do que é suposto, segundo as convenções, regular as relações matrimoniais. Abrir um relação tradicional de papel passado de forma a resgatá-la do divórcio nada tem de simples e rápido. Desde logo é preciso começar a engolir muito orgulho de macho latino, dominar ciúmes, cultivar a clarezade ideias, conciliar expectativas, manter o respeito e reprimir o preconceito: uma missão hérculea. Só uma relação bem alicerçada no companheirismo, no respeito mútuo e num amor à prova de bala consegue o milagre da sua salvação. Dirão, cépticos, que há casamentos que não operaram tal revolução e sobreviveram até ao fim, mas de que modo? Em que condições? Assentes na resignação, no conformismo, na sujeição e negação dos desejos básicos de que não conduzem a um bem estar duradouro semelhante à felicidade, mas a uma resignação parecida à frustração e à apatia.
Quem isto escreve não tem a menor experiência em casamento de papel passado, mas sabe o quanto preza a sua liberdade!