O PRETO MAIS BRANCO VOLTOU DE FÉRIAS.

Há pessoas de quem se gosta sem perceber bem porquê. O oposto também é verdadeiro, mas agora não interessa nada.

Balzac Usta é nome de preto, infiel e moçambicano de quem gostei sem perceber bem porquê desde a primeira hora. Sempre bem humorado, com um sorriso matreiro nos lábios, grande e amistoso, conheci-o faz uma boa mão cheia de anos. Ainda trabalhava no Montenegro quando, com a cunha de outros estudantes africanos da UA, veio pedir trabalho na Europcar. No Verão eram insuficientes os tarefeiros para efectuar as tarefas corriqueiras que o staff contratado não tinha tempo de realizar. Disse-lhe que sim. precisava de gente com vontade de ganhar algum dinheiro e simpatizei com ele imediatamente. Estudante bolseiro do estado moçambicano precisava de muitos mais euros para aproveitar melhor a vida de estudante. Foi desempenhando as tarefas com boa vontade, foi fazendo amizade com os colaboradores e foi ficando de um ano para o outro.
Entretanto eu saí para Armação de Pêra e ele ficou. Tornou-se grande amigo do novo chefe e era quase indispensável. Todos adoravam o preto mais branco da Europcar diziam por piada com carimbo racista, mas que de racista não tinha nada e ele sabia disso; era o primeiro a brincar com ela. Era também o infiel. De religião islâmica, mantinha as tradições religiosas, mas não muito. Teve um filho, demorou a acabar o curso até que chegou a hora de retribuir a Moçambique a oportunidade que tivera de tirar um curso superior em Portugal. Foi dar aulas para uma universidade no norte do seu país, mas deixou saudades e recordações por onde passou.
Na despedida juntou muitos daqueles que gostavam dele quase como um irmão. O preto foi, mas já voltou de férias para matar saudades e ver o filho, claro.
A notícia do seu regresso correu entre os funcionários da empresa como se fosse uma notícia muito desejada. Tive o privilégio de estar com ele ontem e ver como o senhor professor continua o mesmo: uma jóia de pessoa. Hoje o telefone tocou. Era o Balzac que queria cumprimentar o pessoal de Armação.
Há pessoas de quem se gosta sem saber porquê e o Balzac é uma dessas pessoas.