sexta-feira, julho 21, 2006

HISTÓRIA CURTA DE UM MOTARD


Realiza-se este fim-de-semana em Faro uma das maiores concentrações motard da Europa. No Vale das Almas, entre o aeroporto e a praia, confraternizam por estes dias cerca de 30 mil amantes das motos. É a 25ª concentração, numa organização de sucesso, que por estes dias põe a cidade nas notícias nacionais, enche a cidade de barulho dos escapes e os hotéis e restaurantes esfregam as mãos de contentamento, pois o dinheiro que deixam na cidade não é desprezível.

Não aprecio a tribo motard. Os seus ideais deixam-me algumas suspeitas. Parece que todos convergem para uma uniformização de imagem que os faz todos muito iguais. Parece uma ditadura visual: quem não tiver cabelo grande, barba por fazer, barriguinha de muita cerveja, tatuagens abundantes e um ar desleixado não é genuinamente um motard! Que me perdoem os muitos, que sendo motards, não cultivam esta imagem. O ar de macho latino tipo feios, porcos e maus não me sai da cabeça quando vejo a tribo descer à cidade.

Esta ocasião fez-me lembrar que em tempos conheci um membro do famoso Moto Club de Faro. Não tenho por hábito expor a minha vida íntima neste espaço, mas vou abrir uma excepção. Dizia eu que quando voltei de Beja, depois de lá viver 3 anos e antes de conhecer o Shwasy a minha praia preferida era a da Ilha de Faro. Sempre que lá ia havia um homem que vindo da estrada do aeroporto fazia em passo de corrida o trajecto até à ilha e depois continuava sobre a areia, no mesmo ritmo para o lado ocidental da praia. Chegava à praia da Quinta do Lago e voltava no mesmo passo sem parar, sem olhar para as dunas, nem para quem apanhava sol na areia.
Era um homem na casa dos trinta, corpo definido, não muito grande (português médio), tisnado do sol forte do verão algarvio, face marcada pelo esforço, uns calções vermelhos sempre, os músculos definidos do treino e uma indiferença para quem ficava a olhar. Era para mim um mistério: que fazia aquele Adónis na praia, quase diariamente? Aquela zona era frequentada por nudistas e mais à frente por homossexuais com namorado ou à procura dele ou do que aparecesse. Eu estava englobado no segundo e terceiro tipo. Tinha-me dado bem 5 anos antes, pois nessa praia conheci o Alemão que mudou o rumo da minha vida e da dele. Eu fui de Olhão e ele de Colónia para Beja e aí vivemos 3 anos de que não me arrependo. Foi das pessoas que passaram pela minha vida aquela com que mais me ensinou a viver.

Voltando à praia de Faro. Vezes sem conta, observei o misterioso atleta que treinava no areal da praia sem olhar para as dunas. Um dia, já final de verão, a praia estaria deserta não fosse eu lá estar. Reparo então que o cultivador do corpo corria já de regresso. Dei-me conta que diminuía o ritmo até começar a caminhar. Para minha surpresa dirigiu-se para as dunas. Surpreendido procurei saber o que o havia feito mudar o hábito de não parar de correr sob nenhum pretexto. Atónito, ao subir a duna deparei com o seu magnífico corpo deitado na areia, completamente desnudo. O seu olhar faminto e os seus gestos ansiosos não me deixaram dúvidas. Estávamos sós e aquele homem não queria perder um minuto sequer. Pouco depois a fúria com que ususfruiu do prazer que aquele momento lhe proporcionava dizia tudo sobre a sua vida sexual. Aproveitou tudo o que eu lhe tinha para dar com uma sofreguidão que dava gozo só de ver. Parecia que se preparava para ficar muito tempo sem tocar o corpo de outro homem, que era certamente o que mais desejava ao correr ao longo do areal. Quase não falava e nada me disse sobre si, mas não foi preciso, até ao fim dos dias mornos de final de verão ainda nos encontramos mais duas vezes. Outras vimo-nos, mas não parou. Depois desapareceu da praia e eu também. O Outono tinha ganho a batalha e os dias ventosos e frios começavam a predominar.
Percebi que aquele homem temia ver desvendado o seu segredo, por isso nunca parava na praia embora esse fosse o seu maior desejo. Só parava se a praia estivesse praticamente deserta. Fiquei a saber coisa óbvias: vivia na cidade ou nos arredores, frequentava um ginásio e nada parecia dar-lhe mais prazer do que sentir-se enredado por um corpo masculino. Ele que transpirava masculinidade por todos os poros. Nada nele prenunciava tal preferência e no entanto transpirava prazer quando se entregava e isso era o mais estimulante daqueles momentos.
No verão seguinte voltamos a ver-nos. Ele correndo ao longo da linha de água eu ao sol ou no cimo das dunas. Esperei quase até ao final do verão, para voltarmos a sentir os corpos unidos pela última vez.

Em Outubro um jantar de colegas de trabalho terminou com alguns de nós na sede do Moto Club de Faro. Entramos em alegre confusão para beber mais um pouco. Ao aproximar-me do balcão quase perco a fala quando, praticamente, a meu lado estava o misterioso amante das dunas. Não o cumprimentei, não voltei a olhá-lo, fiquei imóvel. Senti que não devia fazer nada, e não fiz. Quando voltei a olhar para o lugar onde estava sentado, com todo os adereços de motard, capacete, botas, colete do moto club e tudo mais, a beber uma cerveja, já lá não estava.
Não voltei a vê-lo. Não sei se continuou a correr na praia. Não sei se continua magnífico, bronzeado, musculado e a passar fome. Um mês antes deste acontecimento conheci o Shwasy e até hoje não voltei à praia da Ilha de Faro. Lembrei-me dele hoje, com alguma nostalgia, a propósito da 25ª Concentração Motard da cidade de Faro.

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