domingo, julho 05, 2009

ALBERTO SERRA (1939 - 2009)

Alberto Serra era um reformado italiano que em tempos viveu uma vida muito confortável em terras germânicas como empresário de restauração. Ganhou muito dinheiro e gastou muito dinheiro. Foi um bon vivant. Nos últimos anos os negócios não lhe correram tão bem e chegou aos dias de reformado dependente de uma reforma que não lhe permitia grandes voos.
Não sei como, mas escolheu um cantinho no Algarve para viver os seus derradeiros anos de vida. Sugestão de amigos, o clima, o custo de vida levaram-no a escolher Santa Luzia em vez da sua Itália de infância, da Alemanha onde ganhou a vida, ou da França onde se aventurou em negócios. Aqui podia viver com dignidade a reforma que recebia da segurança social alemã.
Tinha uma filha que o adorava, uma ex-mulher e muitas recordações dos tempos em que ganhou e gastou muito dinheiro. No seu francês misturado com cada vez mais palavras portuguesas aconselhava que não se devia gastar tudo o que se ganhava. Se tivesse deixado um pouco para o final da sua vida teria sido bem melhor. De qualquer forma parecia agradecido aos deuses por ter vindo passar os seus últimos dias aqui. Encontrou uma «família» como gostava de dizer da família que lhe alugou mais do que uma casa a bom preço para morar: pelo mesmo preço encontrou gente que se preocupava com a sua saúde, com a sua alimentação, com a sua solidão. mas não era só a esta família que reconhecia por sua «família» eram também os amigos que o convidavam para a mesa quando vinha jantar à vila, que lhe pagavam um bagaço, que lhe escutavam as estórias de vida. Dizia que tinha escolhido o lugar certo para viver, pois sem ter ninguém, sabia que teria sempre alguém disponível para ir à farmácia ou ao médico se assim o desejasse. O problema é que ele não gostava muito de frequentar esses lugares.
Nos últimos meses não gozava de grande saúde. Todos os dias ao sair de casa a vizinha lhe perguntava: «Alberto estás morto ou estás vivo?» esperando sempre a resposta que nunca falhou. Não conseguiu deixar de fumar nem de beber quando os médicos lhe exigiram que o fizesse. Não estava bem nos tempos mais recentes, mas não queria médicos por perto. «O Virgílio logo me traz os remédios da farmácia». Confiava como se o Shwasy fosse o seu médico pessoal.
Ontem, à pergunta habitual respondeu que estava vivo, que estava um pouquito melhor, e que precisava de água. Já não tinha água, que lhe deixassem um garrafão à porta que já ia buscar. Mas não chegou a ir buscar o garrafão de água que ficou na soleira da porta, ao sol, até que estranhando o facto a avó começou a chamar pelo Alberto e ele não respondeu.
Alberto Serra não voltará a responder que está vivo. Aquele italiano com ar bonacheirão de quem viveu e de muito se arrependeu, acolhido por todos, portugueses e estrangeiros, como um amigo deixou um puzzle gigante montado onde faltou uma peça que nunca descobriu onde foi parar, uma linha de comboio eléctrico em miniatura que montava e desmontava havia meses. Símbolos da sua solidão, mas ao mesmo tempo da sua capacidade de não desistir.
O Alberto tinha apenas 70 anos de vida e faleceu ontem sem demoras. Aqueles a que ele chamava «família» lamentam a perda e agradecem o reconhecimento. Família há só uma, mas felizes aqueles que conseguem adoptar outra e ainda mais felizes aqueles que foram dignos de serem adoptados.
Obrigado Alberto...

1 comentário:

Tongzhi disse...

O Alberto foi, de facto, um sortudo por ter encontrado um conjunto de amigos que o acompanharam até ao fim. A minha homenagem a ele e, sobretudo, a todos os seus amigos.