sábado, janeiro 03, 2009

UM TAREFEIRO ESPECIAL

Durante os anos em que fui o responsável pelos balcões da empresa em que trabalho no Aeroporto de Faro o trabalho distribuía-se ao longo da semana de forma muito irregular. As Quartas, Sábados e Domingos chegavam a ter o triplo da actividade dos restantes dias da semana. Para fazer face a este acréscimo de actividade tínhamos que recorrer a tarefeiros que desempenhavam tarefas pouco especializadas e contribuíam para que nos fosse humanamente possível servir os clientes com a qualidade que nos exigiam.
Na época a taxa de desemprego não era o flagelo actual e não era fácil encontrar alguém disponível para desempenhar estas funções esporádicas. A minha «salvação» eram os estudantes universitários. Os estudantes vindos dos PALOP`s constituíam um contingente de fácil recrutamento. Longe das famílias e da pátria estavam disponíveis, sobretudo, aos fins-de-semana. Por outro lado, lutavam com dificuldades financeiras para se sustentarem e sustentarem os seus estudos. Alguns não recebiam durante meses as pequenas bolsas de estudo que os seus governos lhes garantia para poderem estudar em Portugal. Outros por mau aproveitamento ou dificuldades de adaptação tinham deixado de ser bolseiros e outros gastavam muito mais do que as magras bolsas de estudo lhes permitiam. Assim eu tinha uma legião de jovens africanos candidatos a ganhar 5000$00 diários pelo trabalho realizado. Verificavam os carros, atestavam os depósitos de combustível, transportavam os clientes de e para o aeroporto entre outros trabalhos menores.
Como disse eram várias as motivações para aceitarem aquele trabalho à tarefa que só tinha hora para começar, mas não para terminar. Desde dinheiro para alimentação, para livros, para transporte até às motivações mais boémias de noitadas e copos na rua do crime, todos tinham uma forte razão para quererem o trabalho.
Eu decidia quantos necessitava conforme a actividade, pegava no telefone e contratava por ordem de preferência os mais cumpridores e confiáveis. Alguns, não raras vezes atrasavam-se ou faltavam porque a noite anterior tinha sido regada ou prolongada demais. E mesmo os que se apresentavam para trabalhar por vezes vinham num estado que mais valia não terem vindo.
No topo da minha lista estava um cabo-verdiano sorridente, simpático e certinho como o Big Ben. Não recordo uma única vez de me ter deixado mal. Por contraste recordo sempre com um abanar de cabeça um são-tomense, Adriano de seu nome, folgazão e matreiro que me tirava do sério pela capacidade que tinha de falhar todos os compromissos que assumia, mesmo quando vinha trabalhar.
Ontem encontrei o Alcides em Tavira. É lá que trabalha este eis funcionário daqueles tempos. De nacionalidade cabo-verdiana terminou o seu curso, estagiou na CGD e por lá continua até hoje. Entretanto casou. Tem um filho e Cabo Verde? Só de férias! Já há alguns anos que não o via, embora habitemos na mesma cidade, aliás agora é vizinho da minha mãe que se mudou recentemente para Olhão.
O sorriso do Alcides continua igual e o seu olhar sereno continua a inspirar confiança. Na breve conversa de rua confessou-me que viveu naqueles anos os tempos mais difíceis da sua vida. Para conseguir acabar o curso com bom aproveitamento e sobreviver sozinho em Portugal tinha feito das tripas coração! E depois disse-me algo que nunca esperei ouvir e desconhecia completamente: - Chefe (ainda me trata por chefe), você foi crucial na minha vida. Sem a sua ajuda e aquele trabalho eu não teria conseguido acabar o curso. Sózinho, num país estranho, sem dinheiro: estive à beira de desistir. Sem você e aquele trabalho eu não seria quem sou hoje. Quem sabe o que teria feito sem aquele dinheiro?
Lembro de ter feito uma espécie de acordo um com ele: Não me falhes e serás sempre o primeiro da minha lista de tarefeiros. Ele nunca falhou e era sempre o primeiro a ser chamado. Se precisasse de apenas um tarefeiro era ele que vinha.
Foi bom ficar a saber.

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