sexta-feira, maio 02, 2008

O MAIO DE 68 ESTÁ DE PASSAGEM?


Passaram precisamente 40 anos sobre a data em que o ocidente se confrontou com a erupção repentina e, aparentemente, inesperada, de um vulcão social, primeiro em França e logo por todo o mundo ocidental. Primeiro os estudantes universitários e depois os operários fabris explodiram em actos violentos nas ruas. Sem que os governos soubessem como controlar, as revoltas alastraram a vários países. O ocidente estava em convulsão enquanto ali ao lado a Checoslováquia também ensaiava a sua Primavera que os tanques soviéticos transformaram rapidamento num Inverno cinzento e triste.

A Europa esquecia os traumas da II Guerra Mundial. A economia prosperava e as sociedades atingiam níveis de bem-estar nunca antes vistos. A juventude tinha à sua disposição condições que nenhuma outra teve para sonhar com uma vida de prosperidade, de paz e segurança. Ninguém imaginava que por baixo daquele aparente bem estar fermentava uma revolução, qual iceberg, que mostra à tona de água uma natureza distinta da submersa. A juventude do final da década de 60 vivia de barriga cheia, mas sentia-se manietada por convenções morais e sociais que reprimiam a liberdade e a igualdade entre os cidadãos. O ocidente só aparentemente vivia em paz desde o fim da Grande Guerra: Argélia, as colónias portuguesas e o Vietname continuavam a matar e a hipotecar o futuro de milhares de jovens. Os jovens almejavam acabar com tradições castradoras das liberdades individuais e convenções sociais que impediam o acesso de franjas da população a tratamento em condições de igualdade com a restante população. Apesar da violência que saiu às ruas nunca a igualdade foi defendida com tanta brandura. A revolução sexual inicia-se com a conquista gradual de direitos pelas mulheres e por pessoas de orientação sexual distinta. Conseguiu-se também que pessoas de outras raças e etnias não fossem consideradas inferiores impunemente. Os professores viram questionados os seus métodos educativos. Os casamentos não continuariam a ser sentenças de prisão perpétua e de sujeição ao chefe de família. O sexo ganhava asas e não seria encarado religiosamente como simples acto com fins reprodutivos.

A liberdade veio com a igualdade. Eis porque a direita repudia a geração de 68. Não por acaso, Sarkozy defendeu que a França devia livrar-se do "cinismo de 68". Mas o cinismo é do primeiro ministro gaulês. Vivemos tempos cínicos porque nos afastamos, cada dia mais, do espírito de 68. A direita recupera-se. A intolerância cresce. Os racistas e os sexistas ganham batalhas. A homofobia cresce. Aumenta também um sentimento conformista de que a desigualdade é inevitável. Os guetos estão por aí. A liberdade enfrenta ameaças nunca vistas desde o fim dos regimes fascistas.

A sociedade de consumo absorveu os ideais e esvaziou-os para com eles lucrar. A juventude de hoje aplaude os acontecimentos de maio de 68 e cruza os braços como se tivesse ficado órfã de ideais e de valores a defender. Será que falta mesmo um Vietname? Ou a geração de 68 convenceu os seus herdeiros que não há nada por que lutar? A geração rebelde educou os seus filhos para a abundância. Não lhe transmitiu valores fundamentais. Trocou os ideais por uma televisão de plasma. E ensinou os jovens a lutar apenas para não pagar propinas. Há uma decadência de valores indisfarçável nesta geração que se poderia chamar de «virtual».

O homem que descobriu o LSD, Albert Hofman, faleceu na última terça-feira,com 102 anos. A era que simboliza morreu ainda antes dele. "O sonho acabou"?! Os tempos que correm são cínicos, apáticos, mesquinhos e beatos. As conquistas de 68 podem estar em regressão mercê da falta de empenho das novas gerações em fincar o pé nas conquistas realizadas pelos seus pais. Há sintomas crescentes do recuo dos princípios fundamentais de liberdade, igualdade e fraternidade que de aparente conquista da revolução francesa só após o Maio de 68 atingiu a sua plenitude. Naquele ano o mundo aprendeu que todos os seres humanos têm o direito a ser tratados com a mesma dignidade independentemente da sua raça, género, religião ou orientação sexual. É isso que agora parecemos esquecer.



A cronologia do Maio de 68: aqui»»» (só em françês ou alemão, sorry)

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