Depois de vários meses sem dirigir palavra à minha bicicleta de montanha, ontem aproveitando o primeiro Domingo de «Verão» deste ano fui passeá-la. Hoje cheguei a casa e, ao vê-la, ali, no canto, com ar de quem foi usada e abandonada por mais seis meses, ecoaram na minha mente as palavras de reprovação com que o meu colega vaticinou o fim prematuro da ousadia dominical:«Só uma vez não serve para nada». Pois bem D. Nuno, fique sabendo que subi as escadas e teria vestido o sexy body de lycra, se o tivesse, mas desci equipado e resolvido a levar a minha amiga a dar uma volta por Quelfes.
Não tenho horário disponível na agenda que me permita torturar os glúteos nos ginásios da cidade. Por outro lado, os anos que passam aceleram os efeitos da lei da gravidade e, se não fizer nada para contrariar essa lei infame que não se devia aplicar aos humanos, dentro de poucos anos ninguém me pega.
Muita diferença há em andar pelas ruas de carro ou de bicicleta: começa pela força que os desloca: no primeiro caso: muitos cavalos, no segundo: apenas um jumento fraco e esforçado empurra, a força de pernas, a geringonça. As duas rodas aproximam-nos da natureza. Com o sol na testa e o vento no rosto, não podemos fechar os olhos ao lixo na berma que os nossos concidadãos atiram pela janela dos seus luxuosos carros quando passam. No compasso da pedalada apreciamos pormenores que a velocidade dos carros tornam invisíveis e a elegância do velocípede permite que nos embrenhemos por caminhos, veredas e picadas que o carro recusa. Andei nos caminhos e estradas ao redor da minha aldeia.
Desci até à Ponte Romana de onde se vislumbra o antigo monte do meu avô, hoje uma moderna vivenda com um poste de media tensão da EDP espetado junto à fachada principal. A decisão da EDP de lá plantar aquele mastro de betão com fios electrificados desvalorizou o terreno e as, então, ruínas da casa, onde ainda morei alguns dias, aquando da morte da minha avó paterna. Tornou-se quase invendável.
Não tenho horário disponível na agenda que me permita torturar os glúteos nos ginásios da cidade. Por outro lado, os anos que passam aceleram os efeitos da lei da gravidade e, se não fizer nada para contrariar essa lei infame que não se devia aplicar aos humanos, dentro de poucos anos ninguém me pega.
Muita diferença há em andar pelas ruas de carro ou de bicicleta: começa pela força que os desloca: no primeiro caso: muitos cavalos, no segundo: apenas um jumento fraco e esforçado empurra, a força de pernas, a geringonça. As duas rodas aproximam-nos da natureza. Com o sol na testa e o vento no rosto, não podemos fechar os olhos ao lixo na berma que os nossos concidadãos atiram pela janela dos seus luxuosos carros quando passam. No compasso da pedalada apreciamos pormenores que a velocidade dos carros tornam invisíveis e a elegância do velocípede permite que nos embrenhemos por caminhos, veredas e picadas que o carro recusa. Andei nos caminhos e estradas ao redor da minha aldeia.
Desci até à Ponte Romana de onde se vislumbra o antigo monte do meu avô, hoje uma moderna vivenda com um poste de media tensão da EDP espetado junto à fachada principal. A decisão da EDP de lá plantar aquele mastro de betão com fios electrificados desvalorizou o terreno e as, então, ruínas da casa, onde ainda morei alguns dias, aquando da morte da minha avó paterna. Tornou-se quase invendável.
Voltei a passar pela ponte, também conhecida por Ponte Velha de Quelfes onde os olhanenses enfrentaram os soldados de Napoleão no dia 18 de Junho de 1808, derrotando-os. Foi a primeira derrota das tropas francesas em Portugal e constituiu o mote para o início da resistência à ocupação estrangeira demonstrando que podiam ser derrotadas. Com essa vitória Olhão ganhou o título que ainda hoje conserva de cidade (vila, na época) de Olhão da restauração.
Pela ponte romana de Quelfes já não passam hoje automóveis, mas em tempos o carocha preto do meu pai atravessou-a dezenas de vezes, subindo e descendo cuidadosamente para não tocar nos muros estreitos que a ladeiam. O carocha ia por toda parte.
Certa vez, alguns anos depois de meu avô ficar viúvo, fomos a Cacela Nova visitar uma senhora que tal como ele parecia interessada em ter alguém por companhia. O meu avô era de Olhão e, estou certo, jogava no Boavista e quando se apercebeu que aquela mulher podia cuidar dele, fazer-lhe o jantar e lavar-lhe a roupa, mas ele tinha que retribuir sendo seu companheiro, abdicando da taberna, dos amigos e do vinho tinto nunca mais falou em arranjar outra mulher. Dizia eu que ninguém ficou em casa. O Carocha já cansado de uma vida longa, mas de pouco uso ia carregado como uma barcaça de areia. Já perto do destino a minha mãe que ia ao meio no banco de trás (eu e a minha irmã nunca abdicávamos das janelas), começou a franzir o nariz e a dizer que cheirava a queimado. Ninguém se incomodou. A viagem continuou perante os seus protestos. Era Agosto. O vento entrava pelas janelas escancaradas e ocultava o cheiro a estofo queimado. Só quando a minha irmã se cansou de ir empoleirada à janela e sentou as suas perninhas tenras no assento e gritou que o banco estava a arder é que o carro parou numa travagem só. Os carochas tinham a bateria debaixo do assento traseiro e aquela estava, sem protecção, em contacto com as molas do banco e principiava a pegar fogo à esponja que o revestia. Um susto e tanto, enquanto nós, os putos, nos divertimos com a aflição dos adultos aparvalhados com o ocorrido.
Voltei para trás por uma vereda rumo a sul até à estrada principal. Parei junto a outra ponte, mais moderna, mas ainda sobre a ribeira de Marim e li a placa que referia a batalha acontecida 500 metros mais a norte. Curiosa esta decisão camarária de afixar a placa numa ponte falsa só porque é mais concorrida do que a velhinha do século I d.c., onde quase não passa ninguém.
A propósito da invasões francesas comprei recentemente dois livros sobre o tema, mais especificamente sobre a ida da corte de D. João VI para o Brasil, evitando assim a perda, para a França e para a oportunista e sua aliada Espanha, da independência do país e do seu império colonial. O rei decidiu que dava os anéis para ficar com os dedos: o anel era Portugal, os dedos as colónias com o Brasil como polegar. «O império à deriva» de Patrick Wilcken e sobretudo «1808» de Laurentino Gomes são os livros a que me refiro. Não é todos os dias que tenho o prazer de ler a obra de um homónimo. É certamente um livro que interessa a portugueses e brasileiros pela relevância que teve a presença da corte portuguesa em terras de Santa Cruz para a sua posterior independência e pela visão que dá do Portugal da época, da estratégia do rei e das consequências que aporta ao futuro de Portugal. Uma obra de leitura fácil, mas não uma obra menor. Recomendo.
Era hora de regressar a casa. A descer todos os santos ajudaram, a subir só eu pedalava contra o vento, que nem São Pedro se dignou a dar uma ajuda. Passei pela casa onde viveu Florbela Espanca. Os sinos da igreja cumprimentaram-me às 20 horas em ponto e ainda arranjei fôlego para subir até à sede do grupo etnográfico da aldeia, onde se ensaia a divertida «Dança dos Velhos».
Os vizinhos aplaudiram a minha chegada. Os gêmeos latejavam de dor e os glúteos duridos confirmavam que tinha valido a pena. E ao arrumar a bicicleta dei-lhe duas palmadinhas no selim e prometi-lhe não mais usar e abusar dela e depois abandoná-la meses sem lhe dar o prazer de uma rapidinha, que fosse.
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