sexta-feira, abril 25, 2008

ONDE ESTAVA EU NO 25 DE ABRIL?

25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen



Onde estava eu no dia 25 de Abril de 1974?

Dormia um sono inocente e profundo como dormem as crianças aos 9 anos de idade que não passam frio, nem fome, nem tem medo do papão que está em cima do telhado. Não ouvi o «Depois do Adeus», não tinha o rádio sintonizado no Rádio Clube Português, só soube que existia uma Grândola que era vila morena mais tarde.

Acordei no dia 25 de Abril desse ano e, certamente, bebi o meu leite com torradas antes de fazer a pé os três quilómetros que me separavam da escola primária de Bias do Sul, Moncarapacho, Olhão. Só ao entrar na sala de aula me apercebi que dia estranho era aquele. Só mais tarde me dei conta que não voltaria a ter aulas num dia 25 do mês dos cravos.

Entrei na sala de aula e suspeitei que algo de grave tinha acontecido. A fotografia daquele senhor que estava entre a cruz e o quadro preto, onde a professora nos humilhava quase diariamente demonstrando à turma a nossa ignorância aparente, estava deposto sobre o estrado. A senhora professora lacrimejava como se uma desgraça tivesse acontecido. Será que o retrato caiu lá de cima e a atingiu? Foi um tremor de terra? Ninguém explicava e a pequenada não percebia porque não começava a aula se já passava da hora!

- Vão brincar, vão para o recreio. O que quer que tivesse a provocar aquela confusão, não estava a correr mal para os nossos interesses. Eu talvez nem tivesse feito os trabalhos de casa. Livrava-me de escutar o ralhete da professora e ainda tinha prémio: brincadeira a dobrar. A manhã foi de brincadeira sobressaltada porque havia qualquer coisa no ar que tinha provocado aquela alteração na rotina da escola. Pouco antes da hora de almoço fomos dispensados. - Podem voltar para casa. Hoje não há escola. Boa, boa! Que não havia aulas já tínhamos percebido, mas porquê ninguém parecia interessado em esclarecer. Aquela desconsideração para com os pirralhos era típica.

Só de volta a casa comecei a perceber o que estava a acontecer. A televisão não transmitia desenhos animados. Só uma música persistente e aborrecida, sempre igual. Uns senhores com fardas da tropa vinham dizer, de tempos a tempos, que a população se devia manter calma. Mas lá no sítio estava tudo calmo!? Onde estava a revolução que eu queria ver.

Os acontecimentos daquele dia e do que se lhe seguiu provocou o repentino aumento do vocabulário e de conceitos que até ali nunca tinha escutado ninguém falar: revolução, ditadura, fascismo, PIDE, democracia, liberdade, comunismo, socialismo, eleições, partidos políticos, e muitas outras palavras que passaram a fazer parte das conversas dos portugueses e, o melhor de tudo, feitas em alta voz, sem medo de ser escutados.


O que se seguiu ao 25 de Abril de 74 teve uma profunda influência no que viriam a ser os meus interesses futuros. Como exemplo só vos digo que, com 10 anos de idade, acompanhei o escrutínio das primeiras eleições para a assembleia constitucional de 75 até às cinco da manhã, quando a minha mãe se apercebeu que eu não me tinha deitado e apagando a televisão correu comigo para a cama.


No dia 25 de Abril eu estava, criança, ao lado dos que sonhavam um futuro limpo, sem sombra de fome, sem vestigios de guerra, mas fecundo de liberdade. Estava, sem o saber ainda, ao lado dos que desistiram de esperar pelos sonhos sempre adiados e pelo resgate do Portugal anacrónico estagnado numa ditadura podre a pedir que a jogassem para o caixote do lixo do passado.
Hoje considero que no geral e no essencial a revolução dos cravos atingiu os seus objectivos. No entanto há pormenores que falharam ou continuam por concretizar, mas como o processo iniciado em 74 não parou, está na mão de todos nós realizar em pleno o sonho democrático que moveu os capitães de Abril.

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro amigo:
Muito bonito, sim senhor!
Também eu tenho um belíssima recordação do 25 de Abril. Eu vivia em Lisboa e tinha 14 anos, quase 15, e já tinha alguma consciência política, porque os meus pais eram pessoas empenhadas politicamente e activistas da oposição (pessoas corajosas que acreditavam que era possível construir um mundo mais justo e solidário). O meu pai tinha participado na campanha do General Humberto Delgado e quer o meu pai, quer a minha mãe participaram nas actividades da CDE, oposição democrática, nas eleições de 1969 e de 1973. Lá em casa falava-se de política (ouvia-se a BBC e a Rádio Moscovo) e os meus pais sempre se solidarizaram com as famílias dos presos políticos. No meu Liceu, o Padre António Vieira, onde também andava o Francisco Louçã, havia meetings anti-coloniais todas as sextas, na sala de convívio, e o nosso professor de música ensinava-nos canções do Zeca Afonso: "Somos filhos da madrugada, pelas ondas do mar nos vamos, etc." Lembras-te?
Foi uma data que celebrámos com muita alegria e por que todos lá em casa há muito ansiávamos. Recordo-me como se tivesse sido hoje. Recordo perfeitamente as conversas que tivemos em casa nesse dia e o entusiasmo com que vivemos todo o período da Revolução dos Cravos.
Nem tudo foram cravos nem rosas, mas no essencial foi uma lufada de ar puro e fresco que varreu o país de Norte a Sul e que acabou com o ambiente bafiento e o cheiro a mofo e naftalina que reinava no jardim da Europa à beira-mar plantado ( o país dos três Fs - Fátima, Fado e Futebol). Foram-se as teias de aranha e chegou um período de esperança, tolerância e liberdade de expressão, em que as desigualdades sociais também diminuíram significativamente.
Um abraço
João Paulo

DE CORPO E ALMA disse...

Obrigado por compartilhar a sua experiência do 25 de Abril. Aqui na província as coisas eram menos visíveis ou pelo menos com 9 anos eu não tinha consciência política. Só depois soube que o filho de uma vizinha bem próxima tinha estado preso e era vigiado pela polícia política e que o mercieiro onde faziamos as compras era o informador da PIDE em Bias do Sul.
Mas depois desse dia passei a acompanhar a vida política e social com uma curiosidade que era muito estranha para todos os familiares e vizinhos.

Anónimo disse...

Olá, mais uma vez:

Na verdade, ontem à noite fiquei um pouco melancólico e triste, pois estive a assistir, pela televisão a um espectáculo sobre as canções do 25 de Abril, que decorreu no Coliseu. Mas tudo tem um ar tão festivaleiro, tão artificial e forçado. Já nada é o que era (bom, quem me ler há-de pensar que estou na terceira idade! RISOS!).

Este país vai de mal a pior e as pessoas também têm a culpa e só merecem os políticos medíocres que têm! Ontem no Telejornal entrevistaram algumas pessoas (nomeadamente jovens) acerca do significado do 25 de Abril e a maior parte revela uma ignorância tremenda. Não sabem nada de nada! Um escândalo. Os estrangeiros que foram entrevistados sabiam explicar na perfeição o que a data significava, mas os portugueses... enfim...uma desgraça!

Depois as pessoas estão cada vez mais individualistas e consumistas. Não demonstram solidariedade para com os outros, não têm valores nem ideais, não têm educação cívica nenhuma e recusam-se a participar na vida colectiva do país (isto a todos os níveis, mesmo os mais simples). São de um egoísmo impressionante! Os portugueses queixam-se da classe política que têm, mas, no fundo, têm a culpa toda. Cada povo tem aquilo que merece! E os nossos políticos são a perfeita imagem do país que temos e do povo que somos.
O ideal de vida da maioria é perfeitamente novo rico! Exibir sinais exteriores de riqueza e "armar ao fino" (o país dos super tios e das super tias!). Mas educação e cultura... nenhuma! O ideal é possuir bens de consumo topo de gama, e passar os fins de semana a gastar ao desbarato nos Shoppings e a guiar como uns loucos nas auto-estradas, ao volante dos seus bólides topo de gama!

Se eu tivesse de novo 25 ou 30 anos, emigrava. Partia para Cabo Verde, onde estão agora a fundar uma Universidade e precisam de professores. Pelo menos aí será possível construir algo de novo e de melhor!
Eu também dei o meu contributo para a construção e desenvolvimento da Universidade dos Açores, onde leccionei entre 1984 e 1992. Orgulho-me de ter prestado o meu contributo para ajudar a desenvolver uma região pobre e atrasada do meu país. Mas isso foram outros tempos, entre os meus 24 e 32 anos.
Desculpa este desabafo, mas estou cansado de tanto conformismo e vulgaridade. Tenho 48 anos de idade e começo a sentir-me deveras saturado!
Um abraço
João Paulo

Anónimo disse...

Olá

Acabo de ler os dois testemunhos da forma como viveram o dia 25 de ha 34 anos. Sim já passaram...e parece que foi ontem. Eu tinha então 25 anos...já estou a caminho da terceira idade, é um facto. Curiosamente tb me lembrei nesse dia (noite ainda) dos versos da Sophia. Para desgosto meu lá estava ontem, na Assembleia da República, um qualquer deputado trânsfuga a citar esta autora, não sei se com legitimidade...mas duvido.
Também eu penso que somos todos responsáveis pelo "estado da nação". Mas a verdade é que há uns mais que outros.
Eu perguntaria ao actual Presidente onde andava na década de 80 e 90 e dir-lhe-ia que os jovens têm bons exemplos de políticos-mercenários (tantos) para se desinteressarem da dita.

Pois meus caros eu nesse dia fui alertado por um familiar afogueado que imaginava uma revolução sangrenta...apesar de não ter nada a perder, antes tudo a ganhar.
Eu já tinha idade para racionalizar que aquela era "a madrugada que tanto esperara"

Fernando Jorge

PS: Discordo da opinião do João Paulo sobre o espectáculos no Coliseu. Confesso que gostei...mas é apenas a minha opinião.

Anónimo disse...

Olá, pela terceira vez:
Desculpem, quando escrevi o último comentário estava a sentir-me mesmo muito triste e amargurado.
De facto, o Fernando Jorge tem toda a razão naquilo que diz!
Há, na verdade, alguns políticos e cidadãos mais responsáveis do que outros pelo actual estado de coisas. Começando pelo actual Presidente da República. Porque desde o Cavaquismo (1985) que predomina no país uma atitude situacionista e materialista e o mais retinto conformismo (o país dos Santanas, dos Sócrates, das santanettes e dos socranettes)!
Mas não vou ser demagógico e negar que neste país existem honrosas excepções à regra e pessoas com muito valor e verticalidade, que infelizmente estão afastadas do poder, por não fazerem parte do CENTRÃO situacionista, que nada tem a ver com os ideais de Abril.
O espectáculo do Coliseu até foi muito bonito e nalguns momentos, ao escutar algumas canções, até senti alguma comoção!

Mas lembro-me sempre com alguma tristeza do célebre verso do José Mário Branco! Parece ter sido tudo:
"Um sonho lindo que passou!"
Espero, para bem de todos nós, estar enganado!
Abraços
João Paulo

P.S. Uma pessoa que tinha 25 anos por altura de 1974 não está, de modo algum, na terceira idade e tem ainda muito para oferecer e viver. É a minha opinião.

DE CORPO E ALMA disse...

Pelos vossos comentários dá para ver que os anos passam, as idades são diferentes, mas o sonho de um país onde os valores de Abril se tornem reais continuam vivos. Apesar da frustração dos últimos anos há que continuar a acreditar, e mais: a trabalhar por um país melhor, mais justo e mais livre. Concordo em absoluto que a grande culpa do país se encontrar neste marasmo é dos portugueses em geral que se demitiram de ser exigentes com quem os governa e consigo mesmos. É lugar comum dizer, mas faltam-nos valores, princípios e sonhos, sobra futilidade,desleixo novo riquismo, e cabeça na areia.

Anónimo disse...

Caro L. Antão:
Concordo em absoluto com tudo aquilo que disseste. Puseste mesmo o dedo na ferida e disseste grandes verdades. Vamos lá ver se todos juntos conseguimos alterar este triste estado de coisas. Há que manter a esperança, lutar e não baixar os braços (muito embora em alguns momentos nos falte o ânimo).
Mais uma vez parabéns pelo blog.
Um abraço
João Paulo