No dia 25 de Abril acordei tarde suficiente para repor o sono em dia. Quando liguei a rádio para me despertar e arrancar da cama, sua excelência o Presidente da República discursava na sessão comemorativa do 34º aniversário da revolução dos cravos. O mais alto representante do sistema avisava, de indicador em riste, que não pude visualizar por continuar com os olhos entorpecidos pelo sono, que a juventude portuguesa está alheada da política e dos políticos. Referia-se a um estudo efectuado, a seu pedido, pela Universidade Católica, que deve ter custado uma pipa de massa, que repetia aquilo que ele podia ter escutado directamente da boca da maior parte dos portugueses, jovens ou não: os portugueses estão-se borrifando para a vida política nacional pela indignidade dos seus protagonistas de rapa tacho.
Aposto que o discurso do Presidente da República não vai ter consequências práticas. Tirar ilações e agir em conformidade implica uma modificação profunda da forma como se faz política em Portugal. Obriga a que abdiquem do sistema que promove alimentação farta e segura nos tachos da democracia pouco representativa, tal qual ela alimenta os seus protagonistas. Provocar essa modificação no sistema seria uma espécie de Glasnost e Perestroika á portuguesa, um terremoto no sistema com epicentro no próprio Terreiro do Paço.
O repto do presidente da República pode fazer ricochete nos interesses corporativos da nossa classe política, mas um dia repetiremos o que se passou na Itália de Bettino Craxi. O estudo da Católica demonstra que os jovens não se revêem no sistema político português, tal como a população em geral. Não é procedente que a classe política continue a enterrar a cabeça na areia e fingir que o sistema é racional, saudável e representativo da sociedade portuguesa.
Definitivamente, haja coragem de mexer com os interesses instalados e reformar o sistema antes que ele tombe de tão podre que está.
Nas eleições autárquicas de 2001, pela primeira vez, abdiquei do valor efectivo do meu voto e escrevi no boletim: «Fora o Guterres, fora. Chega. Pim!». Nessa mesma noite o Partido Socialista perdeu as eleições e o Primeiro Ministro, António Guterres, demitiu-se, pondo fim ao pântano em que governava. O que veio a seguir é conhecido de todos os portugueses.
No próximo ano sinto vontade de repetir a exigência. Não contra o governo, como em 2001, mas contra o sistema que a classe política teima em cristalizar. O país já percebeu que este sistema se mantém apenas, e isso é que começa a doer, porque mexe com os tachos em que cada um deles se abastece. Os seus protagonistas já perceberam que o sistema está podre, mas receiam reformá-lo por receio de os arrastar na maré vazante.
É, tão somente, a ponta do iceberg (há muito mais a reformar no sistema), mas se nas próximas eleições eu poder escolher um rosto, um nome, um responsável que me represente no parlamento um deles merecerá o meu voto, se tiver que votar numa sigla, num partido, numa coligação, na continuação do sistema irresponsável e sem rosto, então o mais provável é que escreva no boletim: «Morra o sistema, morra. Pim!».
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