domingo, janeiro 20, 2008

FAZER DE HÉTERO

Desde os meus 20 anos, mais coisa menos coisa, que não fazia papel de hétero. Da última vez peguei na mão frágil da minha namorada, subi o Monte Abraão, com o rio Jamor a nossos pés, beijei-a e decidi que era a última vez que me prestava àquele papel. Poucos minutos depois terminava o namoro. Pedi-lhe desculpa e sem mais, acabamos. Não lhe podia explicar que não me dava tusa, (ainda se fosse o Fernando!). na Sexta-feira voltei a fazer de hétero, mas não representei. Abandonei o aconchego do meu lar e fui, sem um minuto de atraso, buscar uma mulher bela e deliciosa para jantar. Antes, ainda nos mostramos na aldeia para que não restassem dúvidas.
O restaurante, suavemente iluminado, servia uma sobremesa de sonho: fondue de chocolate. O ambiente despretensioso, mas insinuante em tons vermelhos e negros acompanhados de um tinto do Douro, deixado ao critério do empregado, podia antecipar as maravilhas de uma noite de paixão. Um flute de «champanhe» a contrastar com os morangos mergulhados em chocolate. Deliciosos! A aguardente velha a cortar o sabor do café. A ausência de fumo e uma conversa que prolongou o jantar por quatro esquecidas horas. E eu a fazer de hétero na cabeça dos outros. Para mim e para ela não havia dúvida de quem ali estava. Tão natural que nem transpirei.
Teria sido uma noite matadora, não fossemos dois amigos que ali estavam desfrutando do sublime prazer de conversar um com o outro sem pensar em mais nada; sem o constrangimento das segundas intenções, das insinuações afectivas, do desempenho perfeito do papel de macho e de fêmea.
Saímos sem pressas para ir ouvir um amigo, comum, tocar e beber umas cervejolas pela garrafa e tudo. O ambiente requintado tinha ficado no restaurante. Dali para a frente eram risos altos, calão e quem sabe uns arrotos! No bar de Paderne já os Fifh Element tocavam. Cerveja Marina! Lembram-se? Conhecem? Marina! Procuramos, num raid visual, homens para alegrar as vistas. E nada. Nada salvo seja. Pelo menos no palco havia dois exemplares de óptima qualidade. Como daquela toca não saía coelho, depois de muitos visitas à casa de banho, fazer a reciclagem da cerveja, partimos sem dó nem piedade em direcção à famosa Albufeira. Ainda nos ofenderam dizendo que estávamos bêbados! Bêbados? Nós bêbados? Imaginem!
Poucos tiveram o prazer de me ver bêbado. A primeira foi a minha cunhada que aos 14 anos curou o meu primeiro excesso alcoólico com compressas geladas no meu zézinho! Que vergonha! Muitos anos mais tarde fui traído por uma aguardente de rosas num restaurante chinês. Vivia com um namorado, vindo da Madeira, o sobrenome não deixava dúvidas, enfermeiro em início de carreira (agora já deve ser médico) no Hospital de Faro. Se bem me lembro foi nesse dia que acabou a relação, mas as rosas não me embebedaram por desgosto. A terceira pessoa que me viu alcoolicamente perdido foi o Shwasy num dia em que ele estava fodido da vida comigo. Bebi meia garrafa de Whisky porque sabia que depois fazíamos a pazes. Foi chantagem passional pura. Assim foi. A três pessoas dei o prazer de me verem descontrolado pelo álcool. A mais ninguém.
Era tarde bastante e só o Dream`s bar ainda nos servia mais uma cerveja. Ali não fazia de hétero não. Lá todos sabem que eu não gasto desse papel. Quando chegamos já os travestis de serviço tinham retirado as plumas e estavam umas mulheres decentes. Quem quiser ver nestas palavras um cheiro de recriminação que veja; ela está lá. Iam fechar, mas deu para acabar de beber a cerveja. Não demorou muito e estávamos a devorar um cachorro quente na roulotte do Tony à entrada de Armação de Pêra.
E pronto missão cumprida. Devolvi uma maravilhosa mulher a casa intacta e nem tentei tirar uma lasquinha que fosse. Alguém vai repetir ao ler isto: «Dá Deus nozes a quem não tem dentes». Eu podia responder: e quem tem dentes, que faz com as nozes que Deus lhe dá?
A aldeia ficou a saber que a minha acompanhante está definitivamente perdida. Tem um novo namorado depois de ter deixado outro na semana passada. Provavelmente até já dorme com ele, dirão.
Foi uma noite a repetir porque isto de fazer de heterossexual tem os seus encantos. E ela também gostou de sair com um homem que não estava especialmente interessado nas suas coxas e sobretudo valorizou a alegria da comunicação.
Quando é que repetimos?

1 comentário:

Anónimo disse...

querido quando quiseres, e podes ter a certeza que é mesmo para repetir. foi, de certeza, das melhores noites que tive nos últimos tempos.
pessoas como tu são um luxo e eu sou uma privilegiada em te ter. ADORO-TE