sexta-feira, dezembro 28, 2007

CHEIRO A OLHÃO

Hoje ao acordar troquei-me todo. Acordei cedo para conduzir a minha mãe ao hospital para o seu habitual exame de sangue. Ajustava os atacadores dos sapatos quando percebi que poderia ter continuado enroscado nos lençóis neste dia de folga. Mas o mal estava feito e o melhor era aproveitar as horas de actividade ganhas inesperadamente.
Depois de alguns afazeres domésticos saí para Olhão na busca de um café e de um jornal. Bebi o café, li o jornal e depois apeteceu-me apanhar sol. Caminhei avenida abaixo, entrei na rua das lojas, infiltrei-me nas ruelas que antecipam os mercados municipais e encostei-me a um pilarete frente ao cais do Caíque.
Observei, de fora, aquele espaço que é na minha opinião o mais belo da cidade. Na ressaca do Natal os mercados não estavam especialmente animados. Os portugueses ainda estão a digerir o bacalhau com todos da consoada. As esplanadas estavam, contudo, animadas, sobretudo por forasteiros. Podia escutar o palrar animado em vários idiomas europeus, do omnipresente inglês ao alemão a outro que seria ucraniano. Desde os meus tempos de escola a cidade lavou a cara sem pressas, é certo; ainda queda muito por fazer nessa área, mas quem lhe anima as ruas sim. Os europeus de todas as nacionalidades são presença constante nas ruas sejam residentes ou imigrantes. Gente chegada de longe chama-nos a atenção para as estranhas línguas em que se exprimem e para a exótica beleza dos seus rostos. Tal como toda a região a cidade da restauração está muito mais cosmopolita. Ganhou em animação, ainda que os olhanenses sejam pessoas animadas e exuberantes por natureza.
De costas para a ria inspirei fundo e deixei-me inundar pelo cheiro a mar. A maré começava a encher e libertava um odor intenso a lodo, a sal, a marisco e a algas secas numa criação aromática inconfundível: uma criação natural a que damos o nome de Ria Formosa. Inspirei outra vez e percebi que é daquele cheiro, a chão de mar revolvido na apanha da ameijoa, que tenho saudades quando me ausento daqui. Era a falta desse cheiro da minha infância que me fazia desejar ir ver o mar nos anos que vivi em Queluz e mais tarde em Beja. Foi a necessidade dessa fragrância forte que inunda e molda a alma dos olhanenses que nunca me deixou partir, por muito tempo, deste lugar.
Reforcei a minha percepção de que é este o meu lugar no mundo, que é aqui que pertenço. Só esta combinação única entre arquitectura, a exuberância das gentes, as embarcações de pesca a balouçar nas águas da ria e o cheiro forte a maré vazia faz de Olhão uma cidade onde nos sentimos especialmente vivos.
Deixei-me emocionar pelo privilégio de pertencer ali. Depois comecei a subir a cidade pelas ruas quase magrebinas laterais à rua das lojas. Cheguei ao café «A Brasileira» e entrei pela Vasco da Gama, passei pela pequena tipografia. Não estava a laborar. Quantas vezes me detive àquela porta para observar o trabalho cadenciado das máquinas. Era quase música para os meus ouvidos de criança escutar aquela maquinaria que mais parecia uma orquestra.
Subi a avenida com o tecto rendilhado pelas decorações natalícias e iluminada por um sol frio até ao carro. Voltei a casa seguro que serei olhanense até morrer.
Adoro a cidade de Tavira e por vezes dou comigo a dizer que é a minha cidade, mas é a Olhão que eu pertenço e é o cheiro de mar em frente ao Caíque que eu quero que seja meu para sempre.

1 comentário:

Anónimo disse...

Essa descrição de Olhão fez-me cá uma tusa... É que me lembrei das brasas que já por aí engatei, mon dieu!!!