terça-feira, dezembro 18, 2007

A ATRACÇÃO ESPANHOLA


Quando era um menino guloso, Espanha era apenas sinónimo de caramelos! Aqueles caramelos que vinham de Logroño e se colavam ao céu da boca, dissolvendo-se lentamente com sabor a leite condensado e café. Já nessa altura gostava de leite condensado, imaginem!


No início da adolescência as emissões da TVE aguçaram o meu apetite por conhecer o país que ficava do outro lado do Guadiana. Apesar de perto era demasiado longe para me atrever. Nos primeiros anos da adolescência, movidos a pedal eu e um companheiro de aventuras fomos ver, finalmente, como era esse lugar onde as gentes falavam uma língua tão próxima da nossa que os entendíamos quase na perfeição. Ir e regressar pela estrada nacional 125 representavam mais de 100 quilómetros. O pressentimento que chegaríamos de volta com o juvenil traseiro corroído e os fundilhos assados pelo selim da bicicleta não nos demoveu da aventura. Chegamos à beira do maior rio do sul, ao fim da nossa terra e ficamos cinco minutos embasbacados junto à fronteira desconfiados que as casas, as ruas e os carros que avistávamos do outro lado não seriam muito diferentes dos nossos, mas as pessoas seriam como nós? A tarde já se alongava e não nos podemos demorar. Cinco minutos foi quanto bastou para eu ter a certeza que queria conhecer melhor o outro lado do rio logo que possível.

Com o decorrer dos anos fiz dessa fronteira uma passadeira para o outro lado. Aventurei-me a descobrir os nossos únicos vizinhos. Primeiro o ferry fazia a travessia, depois a fronteira tornou-se ponte e a partir daí a Andaluzia e toda e Espanha tornou-se uma extensão de Portugal. Passar para o outro lado era tão simples como se o estrangeiro fosse ainda Portugal. Ir a Sevilha era mais fácil que ir a Lisboa e sem que eu o desejasse a capital andaluza tornou-se quase íntima dos meus segredos e a favorita das minhas escapadas.

Já não corria o risco de ter a fronteira fechada ao regressar e ser obrigado a dormir no vão de escada. Um prédio de porta aberta por descuido, ou talvez não, abrigou-me do frio certa noite. Na mesma noite em que um casal de amantes planeava, à entrada, perpetuar os seus encontros proibidos julgando-se sós, enquanto compartilhavam comigo, receoso de ser descoberto, as suas infidelidades. A fronteira fechava às duas da madrugada e não havia ligação entre Huelva e Ayamonte a não ser de táxi. Todo o dinheiro que me restava era suficiente para o bilhete de autocarro que já não ligava as duas cidades nesse dia. O seguinte era de trabalho e eu tinha que chegar a Portugal quanto antes. Vim de boleia até Isla Cristina e depois a pé até à fronteira que já estava encerrada como ficaram a saber. Um hostal? Não. Não tinham quartos disponíveis, nem eu pesetas para o pagar. Não me restou outra solução que aguardar a reabertura da fronteira e procurar um abrigo para dormir. O vão de uma escada e um saco-cama era tudo o que tinha para passar a noite.

Noutra ocasião nem a maior greve geral que já se realizou em toda a Espanha me impediu de chegar a Sevilha. Na irresponsabilidade da juventude escolhi o dia 14 de Dezembro de 1988 para lá chegar. Depois do barco, nem uma carroça fazia transporte público de passageiros. Saí da cidade a pé e um senhor que a certa altura se insinuou cheio de intenções, levou-me até meio caminho de Huelva, depois não recordo, mas cheguei a Huelva esperançado em seguir de comboio. Ilusão absoluta: a greve era total! De mochila às costas entrei a pé na auto-estrada do V Centenário arranjei um caridoso casal de velhotes que me levou até ao meu destino. Uma aventura, um dia inteiro para lá chegar!

Não compartilho da opinião do nosso Prémio Nobel que defende a união política a Espanha. Algo me diz que se Bascos, Catalães e Galegos não se sentem muito confortáveis integrados na grande Espanha porque haveríamos nós (que fomos a única nação das Espanhas a conseguir a independência) a abdicar do sangue derramado pelos nossos antepassados e jogar fora a liberdade de cavarmos, bem ou mal, o nosso destino como nação? Por alguma razão somos a nação da Europa com as fronteiras mais estáveis e antigas do velho continente? Isso deve-se certamente ao facto de termos uma identidade como nação bem definida desde há muito e seria uma enorme traição às gerações vindouras abdicarmos desse bem que é a independência nacional.
Adoro a Espanha. Temos um passado que nos une, uma cultura próxima, uma geografia que nos irmana e um futuro comum que nos manterá unidos, mas passar de irmãos a vassalos é uma jogada arriscada e contra natura.

1 comentário:

João Baptista disse...

Já sabes poruqe levaram os miudos para a casa de Elvas, por causa dos caramelos