Eu considero-me uma pessoa calma e paciente acima do normal e até do desejável. Desenvolvi um auto-controlo de forma que o detonar de uma bomba só me faria saltar se me levasse pelos ares. Estou certamente a exagerar, mas não é um estrondo qualquer que me faz sair da pose, nem dar gritinhos estridentes (Lol). Estou convencido que reajo bem sob pressão emocional no que diz respeito às acções porque em termos intelectuais acuso a pressão, sem dúvida. O stress mantêm-me em lume brando quando às emoções. Eu disfarço relativamente bem o desagrado, o incómodo, o mal estar que os outros me podem causar, e estou a falar de trabalho unicamente.
A minha actividade profissional é oito ou oitenta: férias de Inverno, loucura de Verão. Os dias nestes três meses se tivessem 40 horas talvez bastassem para responder às solicitações de um dia de trabalho normal sem sentir aquele mal estar no peito provocado pela ansiedade de sentir que não se vai conseguir; que o tempo passa e nada acontece; que já devíamos ter terminado e ainda nem começamos.
Viver diariamente desta forma torna-me algo insensível para com as necessidades dos meus clientes. Sinto as suas exigências, os seus caprichos, as suas embirrações, os seus desejos quando se tornam repetitivos e inoportunos como entraves ao desenrolar do meu dia e mais uma rajada de vento para destabilizar o meu barco que já balança em águas revoltas.
A minha colega, a Gaja, diz que eu sou um Jó de paciência em estado normal. Sou atencioso, preocupado com o cliente, reconheço os seus pontos de vista e prefiro resolver um não problema para o ver sair dali feliz e satisfeito com o nosso serviço ainda que isso aumente o nosso trabalho e fosse injustificada a pretensão do cliente. Mas isto é nos dias normais. Nos outros, aqueles em que basta o zumbir uma mosca para perturbar os nossos afazeres, mais vale que eles, os clientes, pensem bem antes de começar a inventar dificuldades. Nos primeiros minutos, enquanto ainda estou na fase de avaliação do problema tudo corre como previsto, quando percebo que o problema do cliente não faz sentido e o tento convencer que não tem um problema o meu tom de voz não se altera, se ele insiste e eu avanço para lhe explicar que não tenho solução para aquilo que ele diz ser um problema ainda mantenho os lábios ligeiramente distendidos e os olhos mantêm uma expressão de ternura e simpatia. Se depois de tudo isto o cliente continua a insistir aí é melhor a Gaja intervir e dizer para eu ir lá fora ver, pois teve a sensação que o Brad Pitt passou em tronco nu para a Praia da Senhora da Rocha.
É assim mesmo, num determinado momento eu esgoto toda a minha capacidade de ser simpático e conciliador e no meu cérebro faz-se o clic que me diz: desiste, não vale a pena. O gajo é mais torto que um tronco retorcido de videira. Abre-lhe os olhos, mostra-lhe os dentes, reposiciona a voz, carrega o sobrolho e diz-lhe que não de forma bem sonora. Que reclame, que chame a ASAE, o Papa se quiser, mas dali não leva nada.
Já há muito tempo que não chego a esta fase, porque tenho tido a sorte de ter a Gaja por perto. No entanto hoje ela estava de folga... O diálogo que vou reproduzir não revela totalmente aquilo a que me referia, mas esteve lá perto.
Um bem parecido transmontano de origem, bem vestido, algo de galã pretensioso e um pouco convencido estava á porta quando cheguei da rua.
- Boa tarde, desculpe tê-los feito esperar, em que posso ajudar.
Resposta: - Liguei para aí umas mil vezes e ninguém atendeu!
- Ligou mil vezes para que número?
- Para aquele que está na porta, o 96...
- Sim, é este que tenho na mão. Mostrei-lhe o visor que mostrava uma chamada não atendida. - Só recebi uma chamada recentemente e não pude atender porque estava a atestar o depósito do carro com que me viu chegar.
- Mas a seguir à hora de almoço fartei-me de telefonar para o número que a companhia de seguros me forneceu.
- Deve ter sido enquanto estivemos fechados para almoço...
- E porque é que não somos informados que fecham para almoço?
- Não lhe posso responder, mas a sua reserva estava para as 12:30 e até às 13:00 o senhor não telefonou. Voltei eram 14:35 e não estava cá ninguém, nem o telefone tocou?
- Pois, mas agora estamos aqui e tivemos de esperar. Isto não devia estar aberto?
Vou fazer um parêntesis no diálogo para vos revelar os meus sentimentos por esta altura da conversa. O individuo, não tinha pressa de sair dali com o carro que lhe estava destinado. Ele procurava vencer-me neste despique e provar que eu tinha falhado ou não estava a cumprir devidamente as minhas funções. O meu colega tinha ido buscar uma viatura comercial à Praia da Rocha e eu tinha ficado só. Procurava adiantar os preparativos para o trabalho de amanhã indo à estação de serviço preparar as viaturas disponíveis, atestar o combustível em falta, recolher carros nos hotéis. O cliente queria implicar, como se costuma dizer. A hora de se fazer o clic estava a aproximar-se enquanto ele estava apostado em demonstrar que eu tinha falhado.
Continuando:
- Eu não estou propriamente de férias para ficar aqui sentado á espera que os clientes decidam vir buscar os carros que reservam. Se o fizer o mais provável é que quando chegarem não terei nenhuma viatura preparada para lhes dar. Tivesse eu esperado por si desde as 14:30 até agora eteria que trabalhar até bem tarde para preparar o meu dia de amanhã. São 17: 00 e parece-me que não está com muita pressa?
- O que precisa de mim?
- Preciso do seu BI, Carta de condução e cartão de crédito ou 70 euros para a caução da gasolina.
- A Carta de condução? Não tenho!
O tom de voz já não era acusador nem mostrava ponta de superioridade.
- Não lhe posso alugar o carro sem a Carta de condução (sorri com ironia).
- E agora?
- Diga-me o senhor.
- Esqueci-a em Vila Real quando saímos de férias. Fica sempre alguma coisa em casa que depois nos faz falta nas férias, não é?
Pronto. O ar conciliador estava de volta. Ele precisava da minha boa vontade para sair dali.
- As senhoras, alguma delas conduz?
- Ah! Mónica chega aqui...
Há pessoas que adoram gerar conflitos quer eles sejam produtivos ou não. Está-lhes no sangue a busca das fraquezas alheias para poder por o pé em cima dos outros e esconder assim o seu complexo de inferioridade.
Se ele se tivesse esticado um pouco mais, só não saia dali a pé porque conduzia, mesmo sem o documento que lhe dá permissão, um BMW enquanto falava insistentemente ao telemóvel dando instruções a um filho que não devia ter chegado à adolescência sobre uma encomenda que estava para chegar de Amesterdão e comandava as duas mulheres que o acompanhava como se estivessem no serviço militar.
A minha actividade profissional é oito ou oitenta: férias de Inverno, loucura de Verão. Os dias nestes três meses se tivessem 40 horas talvez bastassem para responder às solicitações de um dia de trabalho normal sem sentir aquele mal estar no peito provocado pela ansiedade de sentir que não se vai conseguir; que o tempo passa e nada acontece; que já devíamos ter terminado e ainda nem começamos.
Viver diariamente desta forma torna-me algo insensível para com as necessidades dos meus clientes. Sinto as suas exigências, os seus caprichos, as suas embirrações, os seus desejos quando se tornam repetitivos e inoportunos como entraves ao desenrolar do meu dia e mais uma rajada de vento para destabilizar o meu barco que já balança em águas revoltas.
A minha colega, a Gaja, diz que eu sou um Jó de paciência em estado normal. Sou atencioso, preocupado com o cliente, reconheço os seus pontos de vista e prefiro resolver um não problema para o ver sair dali feliz e satisfeito com o nosso serviço ainda que isso aumente o nosso trabalho e fosse injustificada a pretensão do cliente. Mas isto é nos dias normais. Nos outros, aqueles em que basta o zumbir uma mosca para perturbar os nossos afazeres, mais vale que eles, os clientes, pensem bem antes de começar a inventar dificuldades. Nos primeiros minutos, enquanto ainda estou na fase de avaliação do problema tudo corre como previsto, quando percebo que o problema do cliente não faz sentido e o tento convencer que não tem um problema o meu tom de voz não se altera, se ele insiste e eu avanço para lhe explicar que não tenho solução para aquilo que ele diz ser um problema ainda mantenho os lábios ligeiramente distendidos e os olhos mantêm uma expressão de ternura e simpatia. Se depois de tudo isto o cliente continua a insistir aí é melhor a Gaja intervir e dizer para eu ir lá fora ver, pois teve a sensação que o Brad Pitt passou em tronco nu para a Praia da Senhora da Rocha.
É assim mesmo, num determinado momento eu esgoto toda a minha capacidade de ser simpático e conciliador e no meu cérebro faz-se o clic que me diz: desiste, não vale a pena. O gajo é mais torto que um tronco retorcido de videira. Abre-lhe os olhos, mostra-lhe os dentes, reposiciona a voz, carrega o sobrolho e diz-lhe que não de forma bem sonora. Que reclame, que chame a ASAE, o Papa se quiser, mas dali não leva nada.
Já há muito tempo que não chego a esta fase, porque tenho tido a sorte de ter a Gaja por perto. No entanto hoje ela estava de folga... O diálogo que vou reproduzir não revela totalmente aquilo a que me referia, mas esteve lá perto.
Um bem parecido transmontano de origem, bem vestido, algo de galã pretensioso e um pouco convencido estava á porta quando cheguei da rua.
- Boa tarde, desculpe tê-los feito esperar, em que posso ajudar.
Resposta: - Liguei para aí umas mil vezes e ninguém atendeu!
- Ligou mil vezes para que número?
- Para aquele que está na porta, o 96...
- Sim, é este que tenho na mão. Mostrei-lhe o visor que mostrava uma chamada não atendida. - Só recebi uma chamada recentemente e não pude atender porque estava a atestar o depósito do carro com que me viu chegar.
- Mas a seguir à hora de almoço fartei-me de telefonar para o número que a companhia de seguros me forneceu.
- Deve ter sido enquanto estivemos fechados para almoço...
- E porque é que não somos informados que fecham para almoço?
- Não lhe posso responder, mas a sua reserva estava para as 12:30 e até às 13:00 o senhor não telefonou. Voltei eram 14:35 e não estava cá ninguém, nem o telefone tocou?
- Pois, mas agora estamos aqui e tivemos de esperar. Isto não devia estar aberto?
Vou fazer um parêntesis no diálogo para vos revelar os meus sentimentos por esta altura da conversa. O individuo, não tinha pressa de sair dali com o carro que lhe estava destinado. Ele procurava vencer-me neste despique e provar que eu tinha falhado ou não estava a cumprir devidamente as minhas funções. O meu colega tinha ido buscar uma viatura comercial à Praia da Rocha e eu tinha ficado só. Procurava adiantar os preparativos para o trabalho de amanhã indo à estação de serviço preparar as viaturas disponíveis, atestar o combustível em falta, recolher carros nos hotéis. O cliente queria implicar, como se costuma dizer. A hora de se fazer o clic estava a aproximar-se enquanto ele estava apostado em demonstrar que eu tinha falhado.
Continuando:
- Eu não estou propriamente de férias para ficar aqui sentado á espera que os clientes decidam vir buscar os carros que reservam. Se o fizer o mais provável é que quando chegarem não terei nenhuma viatura preparada para lhes dar. Tivesse eu esperado por si desde as 14:30 até agora eteria que trabalhar até bem tarde para preparar o meu dia de amanhã. São 17: 00 e parece-me que não está com muita pressa?
- O que precisa de mim?
- Preciso do seu BI, Carta de condução e cartão de crédito ou 70 euros para a caução da gasolina.
- A Carta de condução? Não tenho!
O tom de voz já não era acusador nem mostrava ponta de superioridade.
- Não lhe posso alugar o carro sem a Carta de condução (sorri com ironia).
- E agora?
- Diga-me o senhor.
- Esqueci-a em Vila Real quando saímos de férias. Fica sempre alguma coisa em casa que depois nos faz falta nas férias, não é?
Pronto. O ar conciliador estava de volta. Ele precisava da minha boa vontade para sair dali.
- As senhoras, alguma delas conduz?
- Ah! Mónica chega aqui...
Há pessoas que adoram gerar conflitos quer eles sejam produtivos ou não. Está-lhes no sangue a busca das fraquezas alheias para poder por o pé em cima dos outros e esconder assim o seu complexo de inferioridade.
Se ele se tivesse esticado um pouco mais, só não saia dali a pé porque conduzia, mesmo sem o documento que lhe dá permissão, um BMW enquanto falava insistentemente ao telemóvel dando instruções a um filho que não devia ter chegado à adolescência sobre uma encomenda que estava para chegar de Amesterdão e comandava as duas mulheres que o acompanhava como se estivessem no serviço militar.
3 comentários:
A estupidez é uma opção, não uma obrigação, ele era estupido porque queria ser...
Pois, o lema de que «o Cliente tem sempre razão!» não deverá ser seguido cegamente à letra, sob pena de ...
(Ameijoas? Um pouco...)
Como eu te compreendo, há dias em que já não sei se são os clientes que vão ficando mais estúpidos todos os anos se sou eu que vou tendo cada vez menos paciência. A vontade de o deixar a pé devia ser mais que muita mas a ética profissional acaba por prevalecer...
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