quinta-feira, julho 05, 2007

SEM SOLUÇÃO

O meu amigo de infância caminha a passos largos sem se aperceber para uma situação de vida insustentável. Sempre encarou a vida com uns olhos que eu nunca consegui perceber inteiramente. Desde os tempos de brincadeira juntos que percebi que não víamos os acontecimentos da mesma forma. Para ele os factos pareciam ser circunstanciais; não produziam consequências boas ou más, eram apenas momentos que depois se esqueciam sem deixar marca. Eu sempre encarei as coisas com mais seriedade, receava as consequências dos nossos actos e aprendia com eles. Ele estava sempre disposto a repetir tudo apenas pelo prazer do acto. Cresceu assim, e está a envelhecer assim. Sem perceber que os seus actos têm repercussões no seu dia a dia. Não deduz que o que gasta hoje lhe falta amanhã. Culpa quem o rodeia da falta de oportunidades. Espera que a solução dos seus problemas cheguem em forma de milagre. O meu amigo de infância está em queda livre que pode ser a definitiva. A família já não é amparo, as mulheres que sempre teve enquanto teve algum dinheiro já o abandonaram, o emprego fugiu-lhe e outro, da forma como ele o pretende, jamais surgirá. Os amigos não tem.
Há dez anos atrás começou a sua caminhada descendente. Um dia recebi um telefonema que dizia, é hoje Laurentino, ajuda-me, vou sair de casa, só preciso de uma carrinha para carregar as minhas coisas. Já tenho casa para onde ir. Vem ter comigo antes que ele volte. Eu peguei numa carrinha de transporte e corri para a ajudar a libertar-se do homem que ela já não suportava. Tinha chegado ao seu limite, estava doente, não tinha mais nada que a ligasse ao marido. Os filhos iam com ela, só precisava da minha ajuda para retirar de casa tudo o que precisava para começar nova vida. Eu ia ajudar a esposa do meu amigo de infância a abandoná-lo! Não me foi difícil e não me arrependo. Fiz o que podia e tinha de fazer. Escusado será dizer que toda a sua família me condenou.
Depois sozinho procurou e encontrou companheiras de condição duvidosa. Umas atrás das outras foram passando pela sua vida e cada uma delas o deixava em pior situação do que o tinha encontrado. Enquanto manteve o emprego a situação foi sustentável, mas agora desempregado, cheio de dividas, em risco de ver a casa onde mora penhorada, espera desesperadamente pelo subsídio de desemprego para poder respirar.
Está numa situação desesperada, sem dinheiro, sem família, sem futuro. Só ele continua com aquela mente adolescente a recusar empregos, a exigir condições, a esperar que o centro de emprego lhe arranje um emprego bem pago.
Foi trabalhar para Madrid. Aguentou 3 dias e voltou. Diz ele que não tinha privacidade, os colegas implicavam com ele e só lhe complicavam a vida, tinha de ir a pé para a obra, o patrão não lhe deu dinheiro para comer e já estava a passar fome e a cidade era muito complicada para ele e tinha de trabalhar no duro! Voltou. preferia contar com o subsídio de desemprego que ainda vai chegar todos os meses até meados de 2008. E depois?

Com ele aprendi a nadar, fui aos ninhos, subi à torre, caí de cima de uma árvore,fiz a colecção de animais do Super Maxi, fui de bicicleta pela nacional 125 até Vila Real de Santo António para ver como era a Espanha. Com ele roubei laranjas, passei a ria até à costa para espreitar os nudistas, fiz a caminhada de 3 quilómetros até à escola primária vezes sem conta. Com ele capturamos um lagarto e levamos para as mães verem, enfim fizemos tropelias que só quem cresceu no campo nos anos 70 podia ter feito e fomos amigos.
Não me sinto bem ao vê-lo deixar a vida escorregar para o abismo sem que ele tenha consciência do que lhe está a acontecer. Na conversa de hoje disse-lhe coisas muito duras de ouvir, de tal forma que ele não teve coragem de pedir o dinheiro que vinha pedir à minha irmã depois de já ter pedido à minha mãe, mas sei que amanhã voltará a pedir e tudo o que lhe disse estará apagado da sua memória, porque consciência ele nunca chegou a desenvolver. Essa falta marcou a sua vida por isso lhe foi sempre tão fundamental uma companheira para lhe orientar a vida. Agora só, apenas um milagre o pode deter...

2 comentários:

João Baptista disse...

gostaria de poder comentar este teu post, mas não consigo...

Lénia disse...

Esse amigo está a precisar de uma ajuda, talvez profissional. As tuas palavras não devem ter surtido efeito. E já com alguma idade, poderá uma depressão estar a atormentá-lo?...

Engraçado, de alguma forma o entendo. Concerteza não é feliz, mas não saberá como sair desse buraco, e nem se esforça muito.

Boa sorte prá vossa amizade.