domingo, junho 03, 2007

O APELO DA NOITE (I)

Não tínhamos planos de meninos mal comportados. Com um adolescente por companhia, íamos levá-lo à Eurodisney e a conhecer Paris. Como o Shwasy gostava de ironizar ia ser uma viagem muito cultural. Nada de cultura alternativa nem, sub-cultura, nem culturas cor-de-rosa. Passada a primeira noite com jantar em Pigalle e visita ligeira ao ambiente envolvente ao Moulin Rouge ficamos os dois com água na boca. Pigalle não era o que procurávamos, mas era uma amostra que a noite parisiense prometia. Na noite seguinte o taxista que nos levou até junto do Centro Georges Pompidou, já a noite se espreguiçava pelo lado direito da montra do relógio, informou-nos em bom português, ainda com sotaque alfacinha, que o Sarkozy, quando ainda ministro do interior, tirou as prostitutas das ruas. Pigalle estava mais parecida a Amesterdão com a venda do sexo a refugiar-se, pouco a pouco, nas montras e vitrinas dos bares e clubs da zona.

Decidimos terminar a corrida na Praça da Republica. Na verdade não sabíamos o que procurar nem onde procurar. Começamos a caminhar. Eu sabia que devíamos encontrar algo ou alguém ao descer a Rua dos Arquivos. Tínhamos passado pela Net e retive a ideia que a zona tinha bares, restaurantes e clubs que nos poderiam interessar. Finalmente encontramos um casal que nos disse que estava tudo a fechar. Tudo? Não podia ser ainda não eram duas horas, mas comprovamos que tinham razão ao chegar a uma zona cujos bares aparentavam ar de fim de festa!

Voltamos a perguntar e nada de interessante. Caminhamos numa rua transversal ao polémico centro cultural e passamos por alguém que pelo andar nos daria informações certeiras. Explicou, falou, indicou um club onde podíamos ir. Para falar verdade continuamos perdidos porque as suas indicações foram algo confusas e imprecisas, mas pensei que devia ser problema meu (raramente encontro o lugar que procuro quando me dão indicação do género: 2ª à esquerda, depois mais 100 metros e encontra uma fachada azul e vira em frente á esquerda. Fica na 1ª à direita em frente a uma praça com uma estátua no centro!). Antes de seguirmos, contornando o edifício das tripas de fora, ainda ouvimos o francês dizer que aquele club não era o seu «cup of tea» e entrar para um carro que havia parado enquanto conversávamos. Claro que o seu chá preferido era outro!
Andamos, andamos e já cansados sem nada encontrar, como eu previa, concordamos em parar um táxi e voltar para o hotel. Alguns minutos e nenhum táxi parava. Os nossos corpos tinham desistido, mas as nossas mentes ainda alimentavam esperança de encontrar o tal club, por isso a falta de táxis não nos desesperou. Caminhamos mais um pouco e quando, finalmente, já só pensávamos na cama vazia que nos esperava, eis que a esquina em frente nos oferece uma porta enorme encimada por uma faixa colorida guardada por um majestoso porteiro negro. exclamei: - É aqui!

Não me lembro de ter voltado a sentir a horrorosa dor nos pés, vítimas da longa caminhada diurna entre o segundo piso daquela enorme armação em ferro que eles têm em frente aos jardins do trocadero e as escadas das galerias Lafayette, depois de já me ter arrastado pelos corredores daquele palácio que dava para fazer apartamentos para todos os sem-abrigo da cidade, mas eles preferiram usar para proteger umas estátuas e uma pinturas antigas da chuva, que não dá tréguas por lá. O sono que me fazia imaginar os lençóis da Avenida Clichy como o paraíso de Adão ainda com as costelas todas, evaporou-se do meu pensamento e invadiu-me uma estranha vontade de saber como eram os franceses «au naturel».

Entramos no depósito. O Ítaca, em Sevilha é brincadeira de crianças ao pé daquele hipermercado subterrâneo. Era o «Le Dépot» um armazém de homens de enormes dimensões com uns estranhos labirintos, umas cabines com buracos e muita, mas mesmo muita falta de luz, tinha ainda uns becos mal assinalados e umas salas maiores onde ninguém se entendia!
Poucos ligavam ao que se passava na pista de dança, a música não é a atracção daquele espaço, definitivamente. O ar condicionado também não estava nas melhores condições. Podíamos imaginar que estávamos num paraíso tropical qualquer. A maior parte dos clientes tinha optado por ficar apenas de calças. Pareciam algo perdidos. Circulavam no labirinto como se estivessem a jogar a um jogo de regras pouco precisas e cujo objectivo só descobri mais tarde.

Depois conto-vos como aprendi a jogar e como eram as regras; amanhã talvez.