
O escritor Baptista Bastos celebrizou a pergunta e, certamente, muitos portugueses já responderam para si mesmos à famosa pergunta: «Onde é que você estava no 25 de Abril de 1974?» Também eu tenho procurado lembrar os pormenores desse meu dia da revolução para responder com precisão à questão. Como pode uma criança de 9 anos responder relembrando um dia que tinha tudo para ser um dia igual a tantos outros vividos aos 9 anos de vida. Um dia de escola com o recreio pelo meio e o regresso a casa, no meio de muita brincadeira e trabalhos de casa.
Naquele tempo os meios de comunicação não estavam tão presentes em casa como nos dias de hoje. A emissão televisiva não era contínua, nem começava às 7 da manhã. Se bem me lembro eu esperava ansiosamente o início da emissão às 19 horas com as primeiras notícias e depois a delícia dos desenhos animados. Não acordava ao som da rádio, como hoje. Em minha casa ninguém ouviu o«E depois do Adeus» cantado por Paulo de Carvalho, às 22:55 e muito menos Zeca Afonso cantar a «Grândola Vila Morena» na Rádio Renascença, essa que foi a senha para o despoletar da revolução. A noite foi de sono profundo enquanto os militares depunham sem violência o regime fascista, velho de 48 anos e o Rádio Clube Português transmitia o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas às 4:26 da madrugada.
Percorri os 3 quilómetros que separavam a casa onde vivia da Escola Primária de Bias acompanhado dos colegas habituais. O Samuel, o «Dérinho», o Chico, talvez mais algum, não tenho certezas. Frequentava a 4ª classe. Tinha uma professora açoreana, vinda ali parar, naquele ano, sem se perceber como. Não gostava dela e o último ano da primária não me estava a correr muito bem. Dava muitos erros nos ditados e nas cópias por muito que me esforçasse nunca conseguia mais do que um frustrante Suf. (suficiente) + ou - . A matemática já me tinha valido uma reguada por ter arriscado ser o primeiro a apresentar o resultado de um problema incorrecto. A professora tinha avisado que quem não fizesse bem teria esse prémio e eu arrisquei pela última vez.
Dizia eu que ao chegar à escola reparamos que algo de estranho se passava. A professora da 1ª classe estava lavada em lágrimas! A fotografia de Marcelo Caetano estava no chão, aos pés do quadro preto, e ninguém estava nas aulas. Não percebíamos o que se estava a passar. Mas não nos parecia mal. Havia quem jogasse à bola no recreio, outros brincavam como se já estivessem no intervalo das 10:30 ou até lanchavam antecipadamente. Com o passar do tempo lá me apercebi que aquele alvoroço se devia a algo que estava a acontecer em Lisboa. Depois alguém decidiu pôr ordem naquilo e mandou-nos de volta para casa. Não havia aulas! Muito bom. Inesperadamente um dia à perna solta.
Já em casa, a minha mãe lá me foi dizendo que havia uma revolução com militares e tudo em Lisboa e que não devíamos sair de casa porque não sabia o que podia acontecer. Não lembro a que horas ligamos a televisão. A minha casa não tinha energia eléctrica e a televisão funcionava a bateria que dava para umas 15 horas de emissão e depois tinha de ser recarregada. Hoje ninguém imagina como era ver televisão naquela altura. Primeiro só tínhamos 1 canal. A palavra «zapping» não tinha sido inventada ainda. A minha mãe era a guardiã da pequena Philipps, comprada com muito esforço, que estava na sala de estar. Eu tinha autorização para ver a meia hora de desenhos animados, depois víamos todos juntos o Telejornal e o programa a seguir que era uma seca quase sempre. Ligamos, então a televisão e só dava uma música estranha e de quando em quando vinha um senhor de barba e farda militar dizer para as pessoas se manterem calmas e em suas casas. A Revolução dos Cravos estava em marcha. Não lembro muito mais. Foi uma noite muito aborrecida porque não transmitiram o programa infantil e isso bastava para me estragarem a noite.
Com o passar dos dias percebi um pouco melhor o que estava a acontecer, até à explosão das manifestações no dia 1 de Maio, a chegada daqueles dois senhores vindos no Sud Express de Paris e a saída dos presos das cadeias. Lembro que com os amigos de escola quase planeamos uma ida a Olhão para participar numa dessas manifestações e assim aparecer na televisão. Foram dias intensos e confusos para uma criança de 9 anos que, no entanto, vibrava com toda aquela euforia lá longe. Parecia que o «mundo» ganhava outra vida, as pessoas estavam felizes e só falavam na revolução, nos cravos, na PIDE, no MFA, nos presos políticos, nos comunistas, num tal de Mário Soares e num Cunhal, em manifestações em liberdade e numa coisa a que chamavam política. Aquilo era muito importante e bom para todos, eu é que não percebia bem porquê.
Aconteceu, dias depois algo que não percebi de imediato. A mercearia onde minha mãe fazia compras não abriu nos dias seguintes e depois ouvi dizer que o dono tinha falecido no dia em que a polícia o tinha vindo deter por ser informador da P.I.D.E. Depois ouvi a minha mãe dizer que era por causa dele que o Álvaro, o filho mais velho da vizinha tinha sido preso, diziam que ele era do Partido Comunista.
E continuei a brincar como antes, mas passei a gostar muito mais de ver o Telejornal e a descobrir que o mundo era muito mais complicado do que eu pensava.
Naquele tempo os meios de comunicação não estavam tão presentes em casa como nos dias de hoje. A emissão televisiva não era contínua, nem começava às 7 da manhã. Se bem me lembro eu esperava ansiosamente o início da emissão às 19 horas com as primeiras notícias e depois a delícia dos desenhos animados. Não acordava ao som da rádio, como hoje. Em minha casa ninguém ouviu o«E depois do Adeus» cantado por Paulo de Carvalho, às 22:55 e muito menos Zeca Afonso cantar a «Grândola Vila Morena» na Rádio Renascença, essa que foi a senha para o despoletar da revolução. A noite foi de sono profundo enquanto os militares depunham sem violência o regime fascista, velho de 48 anos e o Rádio Clube Português transmitia o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas às 4:26 da madrugada.
Percorri os 3 quilómetros que separavam a casa onde vivia da Escola Primária de Bias acompanhado dos colegas habituais. O Samuel, o «Dérinho», o Chico, talvez mais algum, não tenho certezas. Frequentava a 4ª classe. Tinha uma professora açoreana, vinda ali parar, naquele ano, sem se perceber como. Não gostava dela e o último ano da primária não me estava a correr muito bem. Dava muitos erros nos ditados e nas cópias por muito que me esforçasse nunca conseguia mais do que um frustrante Suf. (suficiente) + ou - . A matemática já me tinha valido uma reguada por ter arriscado ser o primeiro a apresentar o resultado de um problema incorrecto. A professora tinha avisado que quem não fizesse bem teria esse prémio e eu arrisquei pela última vez.
Dizia eu que ao chegar à escola reparamos que algo de estranho se passava. A professora da 1ª classe estava lavada em lágrimas! A fotografia de Marcelo Caetano estava no chão, aos pés do quadro preto, e ninguém estava nas aulas. Não percebíamos o que se estava a passar. Mas não nos parecia mal. Havia quem jogasse à bola no recreio, outros brincavam como se já estivessem no intervalo das 10:30 ou até lanchavam antecipadamente. Com o passar do tempo lá me apercebi que aquele alvoroço se devia a algo que estava a acontecer em Lisboa. Depois alguém decidiu pôr ordem naquilo e mandou-nos de volta para casa. Não havia aulas! Muito bom. Inesperadamente um dia à perna solta.
Já em casa, a minha mãe lá me foi dizendo que havia uma revolução com militares e tudo em Lisboa e que não devíamos sair de casa porque não sabia o que podia acontecer. Não lembro a que horas ligamos a televisão. A minha casa não tinha energia eléctrica e a televisão funcionava a bateria que dava para umas 15 horas de emissão e depois tinha de ser recarregada. Hoje ninguém imagina como era ver televisão naquela altura. Primeiro só tínhamos 1 canal. A palavra «zapping» não tinha sido inventada ainda. A minha mãe era a guardiã da pequena Philipps, comprada com muito esforço, que estava na sala de estar. Eu tinha autorização para ver a meia hora de desenhos animados, depois víamos todos juntos o Telejornal e o programa a seguir que era uma seca quase sempre. Ligamos, então a televisão e só dava uma música estranha e de quando em quando vinha um senhor de barba e farda militar dizer para as pessoas se manterem calmas e em suas casas. A Revolução dos Cravos estava em marcha. Não lembro muito mais. Foi uma noite muito aborrecida porque não transmitiram o programa infantil e isso bastava para me estragarem a noite.
Com o passar dos dias percebi um pouco melhor o que estava a acontecer, até à explosão das manifestações no dia 1 de Maio, a chegada daqueles dois senhores vindos no Sud Express de Paris e a saída dos presos das cadeias. Lembro que com os amigos de escola quase planeamos uma ida a Olhão para participar numa dessas manifestações e assim aparecer na televisão. Foram dias intensos e confusos para uma criança de 9 anos que, no entanto, vibrava com toda aquela euforia lá longe. Parecia que o «mundo» ganhava outra vida, as pessoas estavam felizes e só falavam na revolução, nos cravos, na PIDE, no MFA, nos presos políticos, nos comunistas, num tal de Mário Soares e num Cunhal, em manifestações em liberdade e numa coisa a que chamavam política. Aquilo era muito importante e bom para todos, eu é que não percebia bem porquê.
Aconteceu, dias depois algo que não percebi de imediato. A mercearia onde minha mãe fazia compras não abriu nos dias seguintes e depois ouvi dizer que o dono tinha falecido no dia em que a polícia o tinha vindo deter por ser informador da P.I.D.E. Depois ouvi a minha mãe dizer que era por causa dele que o Álvaro, o filho mais velho da vizinha tinha sido preso, diziam que ele era do Partido Comunista.
E continuei a brincar como antes, mas passei a gostar muito mais de ver o Telejornal e a descobrir que o mundo era muito mais complicado do que eu pensava.
2 comentários:
eu ainda não tinha nascido, não sei de nada, só o que ouvi dizer, lolol
bom feriado
Ainda bem para ti.
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