sábado, agosto 05, 2006

RECORDAÇÃO


Olhei pela janela e vi que Vénus já anunciava o fim da noite. Prendi minhas mãos ao volante do carro, como dois ganchos esticados, ajustei as costas ao assento e iniciei a marcha. Pouco a pouco, cada vez mais veloz a planície andaluza passava pelo meu olhar. Rapidamente era possível vislumbrar as silhuetas dos olivais alinhados como batalhões e os campos ceifados, secos, mortos, anunciavam que era Verão.
Na rádio alguém anunciava em inglês que um homem estava na lua.
O meu pensamento não estava tão longe. Ecoava nele a visão de uma tatuagem tribal sobre um ombro bem torneado, escorregando pelo antebraço robusto e bronzeado. Um dorso digno de um esboço de Leonardo passava de novo pelas minhas mãos e terminava numa anca seca que se desfazia num promontório soberbo. Ainda sentia o roçar de um fio de barba pelos meus lábios e o peito firme pela palma de minhas mãos quando dou conta que as placas da auto-estrada anunciam que Portugal está cada vez mais perto. O dia ganha força. A meu lado o Shwasy dorme ou relembra tal como eu, de olhos bem cerrados, as coxas volumosas que podemos afagar.
Começo a avistar ao longe os tirantes da ponte sobre o grande rio do sul e faz-se dia. Subitamente as luzes de Monte Francisco apagam-se e um cheiro intenso a estevas, rosmaninho, eucalipto e resina de pinheiro invade o meu olfacto. Estou de volta ao meu país. No espelho retrovisor nasce um sol quente de Verão e os sentidos começam a entorpecer derrotados pelo sono. No auto-rádio os U2 cantam: «But I still haven`t found what I`m looking for...»
Chegamos. A noite acabou!

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